Na Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil, a Alemanha usou uma solução de big data, da empresa alemã SAP. Através de um conjunto de dados obtidos em treinamentos e jogos, essa tecnologia permitiu aos alemães montarem táticas específicas para superar os adversários. O Brasil foi derrotado na semifinal por 7 a 1, e a seleção alemã sagrou-se campeã.
Esse é apenas um exemplo de como a tecnologia vem sendo usada nas competições. Recentemente, o tênis e o vôlei adotaram o “desafio” para lances duvidosos, e o futebol ganhou o VAR. Essa ponte entre esporte e tecnologia vem sendo acelerada, desde a década passada, com o crescimento das chamadas sportechs, as startups do setor esportivo.
Sua atuação vai além das quadras, piscinas ou campos de futebol: elas ajudam a melhorar a gestão administrativa e financeira dos clubes, facilitam a vida do torcedor ao oferecer ingressos numa plataforma digital e buscam soluções para que atletas tenham sua performance aprimorada através de análise de dados. Já são 165 sportechs no Brasil, segundo a plataforma Startup Scanner, divididas em 11 categorias como inteligência de dados, gestão de jogos, torneios e eventos, conteúdo digital e streaming, além de marketplaces esportivos.
— Assim como as fintechs, as startups do setor financeiro, as sportechs vêm trazendo soluções para diversos segmentos do esporte e buscando novas formas para os clubes se monetizarem. Há um potencial enorme no Brasil para que elas cresçam — diz Ivan Martinho, professor de Marketing Esportivo da ESPM, que observa que os times de futebol e clubes esportivos no Brasil já têm um ativo importante: milhões de torcedores, que precisam ser conhecidos e engajados, mesmo quando não há jogos.
Um relatório da SportstechX, plataforma internacional que reúne informações sobre essas empresas, mostra que, fora dos EUA e da Europa, o Brasil foi o país em que as sportechs mais receberam investimentos entre 2018 e 2022, chegando a 805 milhões de dólares (quase R$ 4 bi). O interesse dos investidores vem aumentando, especialmente com mais segurança jurídica, como a criação das Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs), que transformam os clubes em empresas. No exterior, astros como Messi e Shaquille O’Neal também estão investindo nessas startups do esporte.
Entre as sportechs, já surgiu até o primeiro unicórnio — startups que têm valor de mercado de mais de 1 bilhão de dólares. Trata-se da brasileira Gympass, que tem atuação global e é uma plataforma que conecta o usuário a parceiros que oferecem atividades físicas e bem-estar, como academias. A Gympass já recebeu investimentos de mais de 500 milhões de dólares do Softbank e de fundos de investimento.
Apontada como uma das 26 sportechs mais promissoras do mundo pela SportechX, a brasileira Sportheca já recebeu cerca de R$ 25 milhões em investimento em três anos de existência. São apoiadores estrangeiros e até mesmo pessoas ligadas ao esporte, como o ex-técnico Carlos Alberto Parreira.
A Sportheca, dos sócios-fundadores Eduardo Tega, Gustavo Verginelli e Fabio Scripilliti, é uma “fábrica de startups” de esporte. Seu objetivo é identificar oportunidades de negócios e, com tecnologia, oferecer soluções a clubes, federações e outros parceiros, que permitam ser usadas em escala e de forma global. A startup já atua em Madri e Sydney, além de São Paulo, e está chegando a Miami.
— A Sportheca nasce formalmente com o superapp do São Paulo FC, que viria a se tornar o embrião da OneFan, nossa primeira startup. Uma vez que você entende como a paixão guia o torcedor, a chance de você replicar isso em diversos países é imensa — conta Tega.
A OneFan engaja e promove interação com os torcedores pela distribuição de conteúdo e experiências personalizadas. É responsável pelos aplicativos de times como Corinthians, Flamengo e Grêmio. No exterior, tem como clientes o Osasuna, da Espanha, o Rugby USA e a Federação Romena de Futebol. Em janeiro de 2022, o grupo SBF, dono de empresas como a Centauro Esportes, comprou 30% do capital da OneFan.
—Como torcedores apaixonados por esportes, entendemos o imenso valor do intenso engajamento de fãs — destaca Fabio Palma, anunciado na semana passada como CEO da OneFan.
Investidores tradicionais, do mercado financeiro, estão criando fundos de investimento específicos para futebol e para essas startups. Pedro Oliveira, da gestora Outfield, é um dos pioneiros no Brasil e já tem cinco desses fundos, seja para emprestar dinheiro a clubes, comprar dívida de times ou fazer investimentos em sportechs. Ele é mais um a observar como a lei das SAFs trouxe segurança jurídica e estimulou a entrada de parceiros em potencial.
— Ao criar esse ambiente, com governança, o esporte vai se beneficiar e atrair investidores tradicionais de bolsa, private equity, inclusive os estrangeiros — conta Oliveira, lembrando que a Outfield já investiu em duas sportechs: a Semexe, marketplace de artigos esportivos, e a Radar Fit, plataforma de bem-estar.